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sábado, 26 de março de 2011

FANTASMAS PODEROSOS

Fantasmas poderosos
Nenhum ‘ex’ dorme em paz depois de ter entrado em contato com os prazeres do poder

Marco Aurélio Nogueira
Fantasmas e pesadelos costumam atormentar todos os que tiveram poder um dia. O universo dos "ex" é heterogêneo, mas nenhum deles dorme inteiramente em paz depois de ter entrado em contato com os prazeres que integram o cotidiano de um poderoso. Mesmo suas agruras e aborrecimentos são de um tipo especial. Viciam, causam dependência.


A maldição não perdoa ninguém, ainda que nem todos reajam do mesmo modo. Há os que sofrem em público e os que se recolhem, os discretos e os escandalosos, os que retomam a vida de antes e seguem em frente e os que não se conformam e não sabem o que fazer. Quanto mais alto o grau de poder, maior o problema. Quem já foi presidente da República tem mais dificuldade para assimilar a perda súbita ou anunciada de poder do que um chefe de seção desalojado do cargo.


O filósofo inglês Thomas Hobbes escreveu no século 17 que a tendência geral dos humanos era "um perpétuo e irrequieto desejo de poder, que cessa apenas com a morte". Segundo ele, isso acontecia não porque os homens buscassem um prazer sempre mais intenso, mas porque intuíam que a conservação e a ampliação constante do poder eram essenciais para que mantivessem o que possuíam. Maquiavel, na Itália, se inquietava diante da dificuldade para "determinar com clareza que espécie de homem é mais nociva numa república, a dos que desejam adquirir o que não possuem ou a dos que só querem conservar as vantagens já alcançadas". Não economizaria palavras: "A sede de poder é tão forte quanto a sede de vingança, se não for mais forte ainda". Idêntica preocupação teria Max Weber, que dizia que quem mexe com o poder faz um "pacto com potências diabólicas" e vai descobrindo que o bem e o certo nem sempre têm significado unívoco. O poder tem razões que a razão desconhece.


Alguém que deixa o poder defronta-se antes de tudo com o fantasma daquilo que perde: os rituais, a vida distinta, os mimos e mesuras dos subordinados, o conforto do palácio. Precisa se acostumar com os ruídos alheios e esquecer o som da própria voz. Há quem diga que sente certo alívio ao voltar ao anonimato e se libertar da agenda carregada, das liturgias cansativas, do excesso de exposição. Mas a ausência disso pode se assemelhar a uma crise de abstinência, que termina por levar o ex-poderoso à busca inglória de um lugar ao sol semelhante ao que desfrutava nos dias de fausto.



Talvez para compensar tais dissabores, mas também para dignificar personagens que tiveram um papel na história, a República brasileira concede regalias vitalícias aos ex-presidentes: automóveis, funcionários e homenagens, além dos salários. Algo semelhante ocorre nos Estados Unidos. Uma vez presidente, sempre presidente.


Um fantasma mais assustador é saber o que fazer com as longas horas do dia, dar rumo à vida, retomar a atividade anterior ou iniciar novo percurso. O esforço para recuperar o que ficou para trás quase sempre é em vão. Muito tempo se passou, novos hábitos se cristalizaram, carreiras profissionais foram interrompidas. Aí mora o desejo de permanecer ativo na mesma área em que obteve fama e prestígio, falando e agindo como se ainda fosse o mandatário. É instigado a analisar falas e estilo de quem está no lugar que um dia foi seu. Chovem-lhe oportunidades para que atue como sombra ou alter ego, alguém que pode ser conselheiro, ponderar, sugerir, auxiliar. Ex-presidentes costumam valer muito no mercado das palestras e conferências, por exemplo. Precisam se esforçar para não cair em tentação.


Nesse ponto, o ex-poderoso depara-se com seu pior pesadelo: o de sair perdendo ao ser comparado com o sucessor. As comparações são inevitáveis. Inimigos as incentivam, rasgam elogios ao rei posto para despertar o ciúme do rei morto e intrigar os dois.


Não é, portanto, acidental que o ex-presidente Lula esteja repetindo que "o sucesso da Dilma é o meu sucesso; seu fracasso é o meu fracasso". Ele não pode correr o risco de ser visto como estando a ofuscar sua sucessora, nem deixar que sugiram que a nova presidente o supera em algum quesito. Tem razão em reclamar da malandragem de seus adversários, que, depois de terem passado anos dizendo que ele dava continuidade ao governo FHC, agora não param de falar que a gestão Dilma - carne de sua carne - está rompendo com os oito anos da sua Presidência. Mas também é verdade que ele, ao fazer isso, procura se aproximar da imagem positiva que Dilma possa estar obtendo junto à opinião pública. Não se trata só de mágoa, há muito cálculo no gesto.


Amado e odiado indistintamente, o poder perturba, corrompe e alucina. Reprime, castiga e prejudica, mas também acalenta, protege e beneficia. Costuma ser utilizado para conservar e para transformar. É instrumento e objeto de desejo, encargo e meio de vida. Sua "face demoníaca" não perdoa os que com ela convivem, sejam eles presidentes da República, governadores de Estado ou CEOs de uma multinacional. O poder sobe à cabeça, cega, embriaga. Pode ser letal.


MARCO AURÉLIO NOGUEIRA É PROFESSOR DE TEORIA POLÍTICA DA UNESP. AUTOR DE O ENCONTRO DE JOAQUIM NABUCO COM A POLÍTICA (PAZ E TERRA)




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sexta-feira, 18 de março de 2011

terça-feira, 8 de março de 2011

Das pioneiras incineradas

Das pioneiras às incineradas: política e violência com mulheres na Argentina por Ariel Palacios

08.março.2011 16:12:2011

“Os direitos não se mendigam… conquistam-se!” costumava afirmar Julieta Lanteri, a primeira sufragista da América do Sul.Sua biógrafa, a jornalista Araceli Bellota, a define com estas palavras: “foi uma consciente transgressora”.
No dia internacional da mulher, conto brevemente a história da primeira sufragista argentina (e da América do Sul, Julieta Lanteri). Depois, passamos ao quadro da crescente violência contra as mulheres na Argentina. E terminamos com um panorama do peso feminino no poder presidencial e parlamentar.
Julieta Lanteri (1873-32) foi uma pioneira das lutas pela igualdade de direitos das mulheres. Sem marido político para respaldar sua carreira, nem fundos estatais, Lanteri foi um símbolo de liberdade nas primeiras décadas do século XX.
Nascida na Itália, desembarcou aos seis anos de idade em Buenos Aires, acompanhada por seus pais.
Aos 18 anos decidiu que estudaria Medicina. No entanto, a profissão estava vetada para as mulheres. Lanteri contornou a proibição com uma permissão especial do decano da faculdade, Leopoldo Montes de Oca.
Entrou na faculdade em 1896 e formou-se em 1907.
Formada, fundou com sua colega Cecilia Grierson a Associação Universitária Argentina. Na sequência, fez seu doutorado em Medicina e Cirurgia.
“Solteirona” para os padrões da época, aos 36 anos ela casou-se com o americano (criado na Espanha) Alberto Renshaw, que não tinha fortuna, nem influências políticas ou intelectuais, e de quebra, era 14 anos mais jovem do que ela.
Na época, Lanteri, que sempre vestia-se impecavelmente de branco, estudava intensamente sobre saúde mental e decidiu candidatar-se para a cátedra de psiquiatria.
Mas, a faculdade negou seu pedido acadêmico com o insólito argumento de que era “estrangeira” (apesar de ter passado a maior parte de sua vida na Argentina).
Lanteri não se intimidou e solicitou a cidadania argentina. Após um ano de lutas, conseguiu a carta de cidadania (a segunda concedida no país).
O seguinte passo foi o de lutar pelo voto, na época um direito somente exercido pelos homens.
Em julho 1911 a prefeitura de Buenos Aires convocou os moradores da cidade para que se registrassem com dados atualizados nas listas de eleitores. A convocação indicava que deviam registrar-se “os cidadãos maiores de idade, residentes na cidade há pelo menos um ano, que tenham um comércio, indústria ou exerçam uma profissão liberal e paguem impostos municipais com valor mínimo de 100 pesos”.
Lanteri percebeu que a norma tinha uma brecha: ela não indicava nada sobre o sexo. Desta forma, um dia depois de conseguir a cidadania argentina, registrou-se nas listas eleitorais, e em novembro de 1911 apresentou-se para votar.
Na contra-mão do murmurinho generalizado e dos protestos de diversos homens que indicaram “indignação” com a presença feminina de Julieta Lanteri na sala de voto, o presidente de mesa Adolfo Saldías afirmou com entusiasmo: “estou alegre de ser quem assinará o documento do primeiro voto de uma mulher neste país e na América do Sul”.
Foi o primeiro e último voto feminino em 40 anos.
A notícia espalhou-se rapidamente, e em poucos dias o assunto era a polêmica da cidade. Na sequência, a Câmara de Vereadores de Buenos Aires emitiu uma lei que proibia explicitamente o voto às mulheres, alegando que os registros dos eleitores era feito com as listas dos registrados para o serviço militar.
Lanteri não se intimidou. Sem vacilar, apresentou-se perante as autoridades militares, exigindo sua admissão para o serviço militar.
Expulsa pelos funcionários dos quartéis, Lanteri foi ao próprio Ministério de Guerra e Marinha pedir ao ministro que fosse aceita como recruta.
A luta de Lanteri prolongou-se ao longo da década. Mas, em 1919, encontrou uma saída: a Constituição Nacional impedia as mulheres de votar… mas não havia impedimento para que fossem eleitas.
Desta forma, criou um partido, o Partido Nacional Feminista, e em abril de 1919 candidatou-se a deputada. Desta forma, tornou-se a primeira mulher a ser candidata na História da Argentina. Não foi eleita. Mas não desistiu de sua luta.
Em 1932 foi atropelada de forma misteriosa em pleno centro portenho, na esquina da avenida Diagonal Norte e da rua Suipacha. Tinha 59 anos e estava enfrentando o governo do general Agustín Justo.
“Os direitos não se mendigam… conquistam-se!” costumava afirmar Julieta Lanteri, a primeira sufragista da América do Sul.
VOTO - A socialista Alicia Moreau de Justo, que fundou em 1918 a União Feminista Nacional, elaborou um projeto de lei em 1932 que estabelecia o sufrágio feminino. No entanto, foi necessário esperar até 1947, quando Eva Perón, cujo marido era o presidente Juan Domingo Perón, ressuscitou a ideia e conseguiu sua aprovação. Desta forma, as argentinas puderam votar em massa em 1951.

Nos tempos da Inquisição: Ilustração de 1531 mostra uma mulher, acusada de ser bruxa, sendo queimada em uma fogueira na cidade de Schlitach. A mulher em questão era acusada de ter sido cúmplice do “demônio” no incêndio da cidade, localizada no lado esquerdo da imagem. O livro com ilustração está na Zentralbibliothek, Zurich, Suíça. Atualmente, no século XXI, mulheres continuam sendo queimadas vivas em diversas partes do mundo por seus cônjuges, ex-cônjuges e similares.
MULHERES QUEIMADAS - O dia internacional das mulheres está tendo na Argentina um sabor amargo, já que desde o início deste ano 13 mulheres foram queimadas por seus cônjuges/namorados/ex-maridos/amantes. Destas, apenas quatro sobreviveram.
O fenômeno está chamando a atenção, já que em todo 2010 o número de mulheres queimadas por homens foi de 11, volume que já estava causando grande preocupação no ano passado.
O fenômeno, afirmam os analistas, parece ter aumentado depois que o baterista Eduardo Vázquez, ex-integrante do grupo de rock “Callejeros”, foi acusado de incinerar sua esposa, Wanda Taddei, em fevereiro do ano passado. Wanda morreu dias depois que seu marido lhe jogasse álcool e acendesse um cigarro ao lado dela. O ato lhe provocou graves queimaduras em 60% do corpo.
O último caso, registrado neste fim de semana, ocorreu na província de Santiago del Estero, A vítima, uma garota de 17 anos, mãe de um bebê de 7 meses, foi queimada por seu namorado, de 22 anos. A jovem, que saiu correndo em chamas de sua casa, foi socorrida pelos vizinhos. O namorado, que está detido, alegou que estava na cama, brincando com o bebê, quando repentinamente viu a mulher “inexplicavelmente” em chamas.
A penúltima vítima, em fevereiro, era de Florencio Varela, na Grande Buenos Aires. Na ocasião o marido da vítima a banhou em acetona e depois lhe jogou um fósforo aceso.
Neste domingo, na província de Santa Fe, outro homem tentou queimar sua namorada, grávida de 8 meses. No entanto, foi salva a tempo por seu cunhado.

Na Argentina no ano passado um total de 260 mulheres foram assassinadas dentro de crimes classificados de “violência de gênero”.
Nos primeiros dois meses deste ano treze mulheres haviam sido assassinadas em toda a Argentina por violência de gênero.
DADOS:
- Do total de mulheres vítimas de violência de gênero, 18% são jovens de menos de 18 anos de idade.
- Do total de mulheres vítimas de violência de gênero, 51% foram alvo dos ataques de cônjuges, ex-cônjuges ou amantes e namorados.

PESO PRESIDENCIAL – Em 1974 María Estela Martínez de Perón – uma ex-dançarina de cabaré no Panamá – assumiu a presidência da Argentina. Mais conhecida por seu apelido, “Isabelita”, ela chegava ao poder por ser a vice-presidente do marido defunto, Juan Domingo Perón, que no ano anterior havia sido eleito nas urnas.
Isabelita durou menos de dois anos no posto. Controlada pela eminência parda do governo, o ministro José López Rega, Isabelita exerceu uma presidência desorientada e caótica. Foi derrubada por um golpe militar em 1976.
Isabelita, formalmente, foi a primeira mulher presidente da Argentina. No entanto, assumiu por ser a vice do marido.
A primeira mulher a ser eleita diretamente para o cargo de presidente foi Cristina Kirchner, que sucedeu seu próprio marido, Néstor Kirchner, na presidência do país.
Nas eleições que venceu com 45% dos votos, sua principal adversária foi outra mulher, Elisa Carrió, líder da opositora Coalizão Cívica, que obteve 23% dos votos.
Desta forma, as duas mulheres obtiveram juntas 68% dos votos emitidos.
PESO PARLAMENTAR - Em 1991, durante o governo do presidente Carlos Menem (1989-99), o Congresso Nacional aprovou a lei que determina que os partidos políticos são obrigados a contar com um mínimo de um terço de candidatas mulheres.
Na época, a Câmara de Deputados e o Senado somente contavam com 6% de presença feminina.
Os resultados dessa lei, a primeira desse gênero nas Américas, foram comprovados em 1993. Graças à nova norma, a proporção de mulheres parlamentares subiu para 13,6% em 1993.
Atualmente as mulheres ocupam 38,8% das cadeiras do Senado. Além disso, estão presentes em 36,5% das cadeiras da Câmara de Deputados na Argentina.
PESO MINISTERIAL - Apesar da presença de uma mulher na presidência da Argentina, o peso feminino no gabinete presidencial é baixo. De um total de 16 pastas a presidente Cristina somente possui três mulheres ministras (uma delas é sua própria cunhada, Alicia Kirchner, ministra que herdou do marido e antecessor, o ex-presidente Néstor Kirchner).
Isto é, o gabinete possui apenas 18,7% de mulheres com hierarquia ministerial.
Além disso, das cinco secretarias de Estado do governo Cristina, nenhuma é comandada por mulheres.
UM BAIRRO ‘FEMININO’: As ruas de Puerto Madero, bairro criado nos anos 90 em Buenos Aires, conta exclusivamente com ruas com nomes de mulheres argentinas que lutaram pelos direitos de igualdade. Entre elas há médicas, intelectuais, políticas, líderes sociais, escritoras e até heroínas da independência.
Para mais detalhes sobre cada uma delas, clique aqui.
E para terminar a jornada, duas tirinhas de Mafalda… elas são dos anos 60. Mas é impressionante como são vigentes.



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