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quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

CONSCIÊNCIA E IDENTIDADE DA AMÉRICA




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CONSCIÊNCIA
E IDENTIDADE
DA AMÉRICA





Aos latino-americanos da minha geração coube um estranho destino que por si só bastaria para
diferenciá-los dos europeus; nasceram, cresceram, amadureceram, em função do concreto
armado... Enquanto o europeu nascia, crescia, amadurecia, entre pedras seculares, velhas
edificações modificadas ou anacronizadas somente por alguma tímida inovação arquitetônica, o
latino-americano nascido nos albores deste século de inventos prodigiosos, mutações, revoluções,
abria os olhos no âmbito de cidades que, quase que totalmente estagnadas durante o século XVII
ou XVIII2, com um baixíssimo aumento de população, começavam a agigantar-se, a estender-se,
a espalhar-se, a elevar-se, ao ritmo das misturadoras de concreto. A Havana que percorri na
minha infância era ainda parecida à de Humboldt; o México que visitei em 1926 era ainda o de
Porfírio Diaz; a Caracas que conheci em 1945 era ainda muito semelhante à Caracas descrita por
José Martí.
E, de repente, eis que nossas modorrentas capitais se tornaram cidades de verdade (anárquicas
em seu desenvolvimento repentino, anárquicas em seu traçado, excessivas, desrespeitosas em
seu afã de demolir para substituir), e o nosso homem, consubstanciado com a cidade, torna-se
homem-cidade, homem-cidade-do-século-XX, quer dizer: homem-História-do-século-XX, em
povoados que rompem com seus valores tradicionais, passam, em poucos anos, pelas tremendas
crises de adolescência e começam a firmar-se com características próprias, ainda que em
atmosfera caótica e desacertada.
O latino-americano viu surgir, nesta época, uma nova realidade, realidade da qual foi juiz e
parte, criador e protagonista, espectador atônito e ator principal, testemunha e cronista,
denunciante ou denunciado. "Nada do que me cerca me é alheio3" poderia dizer, parafraseando o
humanista renascentista. "Isto foi eu que fiz, aquilo eu vi construir; aquilo mais adiante me
prejudicou ou eu amaldiçoei. Mas fiz parte do espetáculo - seja como ator principal, testemunha e
cronista, denunciante ou denunciado.
"Nada do que me cerca me é alheio" poderia dizer, parafraseando o humanista renascentista.
"Isto foi eu que fiz, aquilo eu vi construir; aquilo mais adiante me prejudicou ou eu amaldiçoei. Mas
fiz parte do espetáculo - seja como ator principal, seja como corista, ou como coadjuvante"... Mas,
montado o cenário, colocadas as bambolinas, pendurados os telões, é preciso ver, agora, o que
vai ser reapresentado - comédia, drama ou tragédia - no vasto teatro de concreto armado.
1 Discurso pronunciado por Alejo Carpentier na Aula Magna da Universidade Central da Venezuela, a 15 de maio de 1975, por ocasião
da homenagem que lhe renderam a própria Universidade, o Ateneu de Caracas, a Associação de Escritores Venezuelanos e a Associação
Venezuelana de Jornalistas. (Nota do comentarista)
2 Carpentier, a partir de diversas etapas de sua vida, alude à temporalidades históricas do século passado, patentes
em três importantes cidades latino-americanas: Havana, de sua infância (primeiros anos do século XX) é ainda de Alejandro de
Humboldt (1769 - 1859), eminente naturalista alemão que viaja por todo o continente americano entre 1799 e 1804. Pela sua
extraordinária visão de natureza de Cuba foi chamado "seu segundo descobridor"; Cidade do México, que visita pela primeira vez em
1926, continua sendo de Porfirio Díaz (1830 - 1915), figura marcante da história política mexicana. Seu governo autoritário, conhecido
como "porfirato" (1876 - 1911) desemboca na eclosão da Grande Revolução Mexicana (1910). Caracas é onde vive a partir de 1945, e
está muito próxima da escrita por
José Martí (1853 - 1995), principal personalidade da história revolucionária cubana, que durante a primeira metade de 1861, reside na
Venezuela.
3 Carpentier alude à célebre expressão de Terencio (190? - 159 a.C.) em sua obra teatral El



A BARBARIE
É UMA NARRATIVA
SEM FIM.

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