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quinta-feira, 28 de outubro de 2010

História da Eternidade - Borges


Leia trecho de "História da Eternidade".

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No trecho das Enéadas cujo objetivo é interrogar e definir a natureza do tempo, afirma-se que é indispensável conhecer previamente a eternidade, que - como todos sabem - é o modelo e o arquétipo daquele. Essa advertência preliminar, tanto mais grave se acreditamos que é sincera, parece aniquilar toda esperança de que nos entendamos com o homem que a escreveu. O tempo para nós é um problema, um problema trepidante e exigente, talvez o mais vital da metafísica; a eternidade, um jogo ou uma fatigada esperança. Lemos no Timeu de Platão que o tempo é uma imagem móvel da eternidade; e isso não passa de uma consonância que não demove ninguém da convicção de que a eternidade é uma imagem feita com substância de tempo. Essa imagem, essa palavra tosca enriquecida pelos desentendimentos humanos, é o que me proponho historiar.

Invertendo o método de Plotino (único modo de utilizá-lo), começarei inventariando as obscuridades inerentes ao tempo: mistério metafísico, natural, que deve preceder a eternidade, que é filha dos homens. Uma dessas obscuridades, não a mais difícil mas tampouco a menos bela, é a que nos impede de estabelecer a direção do tempo. Que ele vai do passado para o futuro é a crença mais comum, mas a crença oposta não é mais ilógica - a que foi fixada em verso espanhol por Miguel de Unamuno:

Noturno o rio das horas flui
do manancial que é o amanhã
eterno...¹

Ambas são igualmente verossímeis - e igualmente inverificáveis. Bradley nega as duas e oferece uma hipótese pessoal: excluir o futuro, que é uma mera construção de nossa esperança, e reduzir o "atual" à agonia do momento presente desintegrando-se no passado. Essa regressão temporal costuma corresponder aos estados declinantes ou insípidos, enquanto toda e qualquer intensidade nos dá a impressão de avançar para o futuro... Bradley nega o futuro; uma das escolas filosóficas da Índia nega o presente, por considerá-lo inapreensível. "A laranja está a ponto de cair do galho, ou já está no chão", afirmam esses estranhos simplificadores. "Ninguém a vê cair."

O tempo propõe outras dificuldades. Uma delas, talvez a maior, a de sincronizar o tempo individual de cada pessoa com o tempo geral da matemática, foi amplamente alardeada pelo recente alarme relativista, e todos se lembram dela - ou pelo menos se lembram de lembrar-se dela até há bem pouco tempo. (Eu a retomo assim, deformando-a: Se o tempo é um processo mental, como é possível que milhares de homens o partilhem, ou mesmo dois homens diferentes?) Outra é a destinada pelos eleatas à refutação do movimento. Essa pode ser resumida nestas palavras: "É impossível que em oitocentos anos de tempo transcorra um período de catorze minutos, porque primeiro é indispensável que tenham se passado sete, e antes de sete, três minutos e meio, e antes de três e meio, um minuto e três quartos, e assim infinitamente, de modo que os catorze minutos nunca se completam". Russell rebate esse argumento afirmando a realidade e mesmo a vulgaridade dos números infinitos, que se dão de uma vez só, por definição, e não como termo "final" de um processo enumerativo sem fim. Esses algarismos anormais de Russell são uma boa antecipação da eternidade, que também não é possível definir pela enumeração de suas partes.

Nenhuma das diversas eternidades planejadas pelos homens - a do nominalismo, a de Irineu, a de Platão - é uma adição mecânica de passado, presente e futuro. Trata-se de algo mais simples e mais mágico: a simultaneidade desses tempos. A linguagem comum e aquele dicionário assombroso dont chaque édition fait regretter la precedente parecem ignorá-lo, mas assim a pensaram os metafísicos. "Os objetos da alma são sucessivos, agora Sócrates e depois um cavalo - leio no quinto livro das Enéadas -, sempre uma coisa isolada que se concebe e milhares que se perdem; mas a Inteligência Divina abarca todas as coisas conjuntamente. O passado está em seu presente, bem como o futuro. Nada transcorre neste mundo, no qual persistem todas as coisas, quietas na felicidade de sua condição."

¹ O conceito escolástico do tempo como a fluência do potencial no atual é afim a essa ideia. Cf. os objetos eternos de Whitehead, que constituem o "reino da possibilidade" e ingressam no tempo.

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