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sábado, 29 de maio de 2010

AMOR EM TEMPOS CÓSMICOS





Se foi o cumprimento de uma antiga profecia, ou estava escrito nos desígnios das estrelas, não importa – os mistérios nunca serão desvendados – sob o risco de não serem mais mistérios. Nem nós queremos! O certo é que, naquele dia, embebidos pela imprevisibilidade dos tempos, estávamos separados e em pontos opostos no planeta, entrecruzados por meridianos e paralelos, linhas, retas, graus e complicadas escalas geométricas.
Olhávamos embevecidos, sem saber da existência um do outro, o movimento de rotação da terra, até ficarmos bastante tontos e sonolentos devido ao balanço cósmico. Tal como Pascal, em outros séculos, percebemos que os espaços infinitos são apavorantes e por isso nos sentíamos irremediavelmente sós, entediados, aborrecidos e desencantados, com nossas sinucas existenciais diante da realidade barulhenta que nos circundava. O que nos restou fazer, quem sabe como única alternativa, foi deixar nossos corpos e nossos sentimentos viajarem ao sabor dos ritmos celestes. E assim o fizemos intuitivamente.
Num impulso, jogamos nossas redes no universo, navegamos a favor das aragens, enfrentamos tormentas, tempestades, ciclones, maremotos, tufões, terremotos e calmarias. Ignoramos, propositadamente, os sinais confusos dos aparelhos náuticos que estavam ao nosso alcance com suas formas indecifráveis e, como náufragos sem bússola, nos cruzamos enredados em teias indescritíveis – atraídos, certamente, por uma inexplicável química mágica. Quando sentimos os primeiros sinais de bonança e o vento ficou mais ameno, nos permitimos um espaço de pausa na jornada.
Foi assim que nos vimos pela primeira vez, ou provavelmente nos reencontramos. Não sei se éramos dois estranhos ou velhos conhecidos, a segunda hipótese é a mais provável porque permanecíamos horas e horas do relógio cósmico a contar e recontar histórias e trajetos vividos, curando nossas feridas, despidos de vaidades, das culpas seculares e sem saudades do perdido paraíso terrestre.
Vivenciamos momentos mágicos de intensa ternura, grudados um no outro, com beijos insondáveis e carências milenares. Tentávamos, assim, avidamente, preencher com amor infinito, as lacunas deixadas pelos desamores doloridos que carregávamos como bagagem insuportável, desde que empreendemos a nossa inusitada viagem cósmica. Assim, rejuvenescemos a olhos vistos, os incômodos sinais do tempo se atenuaram e, como éramos atemporais, sabíamos que no tempo cósmico nunca se envelhece.
Se estávamos numa ilha paradisíaca, ou em qualquer outro acidente geográfico convencional, constituia-se numa questão nada importante para nós. Fascinados um pelo outro, dispensamos a razão instrumental, os blocos de anotações, os computadores e nos guiamos por outros paradigmas intuitivos, sentimentais, amorosos que até então ignorávamos e relutávamos em nos permitir.
Passeávamos de mãos dadas, colhíamos as raízes e nos alimentávamos da luminosidade solar e da energia do universo. Os teimosos raiozinhos de sol nos abençoavam e, em cada grão de areia que pisávamos, estava ali presente a sabedoria de milênios. Aprendemos a ler nas estrelas, no movimento dos astros, nas pegadas da praia, no colorido das plantas e nos desenhos dos penhascos. Morríamos de rir, quando víamos que muitos penhascos tinham a nossa imagem, talvez como marcas registradas dos nossos tropeços terrenos.
Assim, experimentamos e nos apropriamos do melhor dos tempos à disposição dos humanos: o tempo da delicadeza. Um tempo para o qual é preciso optar pelo mundo dos sonhos, experimentar a felicidade como uma idéia nova e fugir das sombras do medo.



Ivone Bengochea




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